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A SÍNDORME DE ISOLAMENTO SOCIAL NA COVID-19
A Síndrome do Confinamento

"Quando entende que seu destino depende do destino do grupo inteiro, o sujeito sente vontade de assumir uma parte da responsabilidade pelo bem-estar geral." (Kurt Lewin)

 
A

 

COVID-19, pandemia sem precedentes na história da humanidade, é causada pelo novo coronavírus (2019-nCoV) cuja transmissão se dá de ser humano para ser humano e causa uma síndrome respiratória aguda grave, que pode levar uma pessoa à morte em poucos dias, a depender das condições físicas pregressas do doente. Teve seu início em meados de novembro de 2019, ao que tudo indica nos arredores da província chinesa de Wuhan – China – e espalhou-se por todo o planeta rapidamente. No Brasil foi diagnosticada pela primeira vez em 25/02/2020 na cidade de São Paulo e o primeiro óbito em solo brasileiro ocorreu em 17/03/2020, obrigando as autoridades de saúde do Estado de São Paulo a tomar medidas excepcionais, dentre elas o Distanciamento Social e a Quarentena a fim de conter contágio e mitigar o número de óbitos (Cf. WILSER-SMITH & FREEDMAN, 2020), já que a transmissão mais comum é de pessoa a pessoa e se dá através das gotículas de saliva que emitimos na fala ou através do catarro da mucosa nasal - quando espirramos, por exemplo (GOVERNO DO ESTADO DE S. PAULO, 2020).

O distanciamento entre as pessoas de uma população evita que o portador assintomático transmita o vírus para as outras pessoas, principalmente àquelas da chamada “população de risco” – indivíduos com mais de 60 anos de idade ou portadores de doenças respiratórias preexistentes, ou outras doenças tais como as cardiopatias e o diabetes mellitus, ou ainda doenças que suprimem o sistema imunológico. Se o paciente desenvolver a forma “branda” da COVID-19, deverá permanecer em quarentena domiciliar por, pelo menos, 14 dias seguidos e evitar todo e qualquer tipo de contato físico com os demais membros da família. Se evoluir para a forma “severa”, deverá ser hospitalizado e, talvez, tenha que ser levado à Unidade de Terapia Intensiva – UTI, onde poderá permanecer por vários dias. Nos dois casos, essa pessoa sairá abruptamente de um estado de “vida normal” para uma situação inédita e excepcional, que pode ser transitória ou fatal.

Atualmente não existe vacina capaz de erradicar a doença causada pelo coronavírus e a única medida conhecida capaz de minimizar essa epidemia é o Isolamento Social, o qual,  inevitavelmente, implica em um confinamento, seja do doente, seja da população em geral.

CONFINAMENTO

Controversa desde a significação da palavra – que pode variar de “enclausurar” até “ser fronteiriço ou estar próximo de” [*] – até na Medicina não existe um consenso sobre a eficácia desse tipo de medida. Aqueles que a defendem dizem que o Isolamento Social é capaz de conter uma epidemia. Já os que não a defendem dizem que isolar uma população inteira pode acelerar a disseminação da doença no interior das casas, posto que o confinamento social nem sempre é solitário. No entanto, seja o paciente internado num hospital, seja a população de risco obrigada a não sair de casa (Lockdown), essas pessoas poderão apresentar problemas psicológicos ou até psiquiátricos, dependendo da estrutura psíquica de cada um e do significado que der para a situação de isolamento.

Devemos lembrar que essa pessoa – assim como cada um de nós – estava vivendo uma vida “normal”: como todos nós, chegou nessa situação trazendo na sua bagagem emocional um repertório que inclui não só sua identidade, seu estilo de vida e respectivos anseios, mas também sua história psicológica com seus personagens fantasmagóricos, traumas, e conflitos mal resolvidos. Esses elementos, mais adiante, entre o sexto e oitavo dia de isolamento, servirão de ingredientes para a formação do significado que a pessoa dará ao seu confinamento que é o ponto de partida para o comportamento individual e o relacionamento interpessoal enquanto em condição de isolamento.

Conflitos psicológicos já foram observados na fase que antecedeu a obrigatoriedade do confinamento; foi a Fase da Negação. “– Não sei para que tanto alarde.” ou “ – Será que é preciso tudo isso?” foram frases proferidas por 75% dos pacientes que seguimos atualmente. O maior perigo existe quando a pessoa não verbaliza, mas pensa secretamente: “– Não preciso de nada disso; não vai acontecer comigo.” [**]
No início do confinamento passa-se por uma Fase da Adaptação: tanto as pessoas que estão solitárias como aquelas que estão em família, passam por um período de desorientação quanto às rotinas diárias, aos lugares de referência, aos novos estímulos do meio ambiente e dos horários. Esse período costuma durar de três a cinco dias, dependendo de cada indivíduo. A partir do quarto dia de confinamento, as pessoas já estão mais ambientadas e já começam a encontrar novas rotinas.
O momento crítico desse processo parece ocorrer entre o sexto e o oitavo dia.

Se conseguir uma boa adaptação, por volta do sexto dia essa pessoa foi capaz de reformular e adequar as tarefas antigas ou de encontrar novas e tarefas que lhe são significativas. Já se vê como uma pessoa produtiva e encontrou novo lugar e novos papéis no contexto familiar e isso lhe dá a condição de perceber novas nuances e aspectos positivos na situação de isolamento social. No entanto, caso não consiga uma boa adaptação, estará vulnerável aos seus conflitos psicológicos e, gradativamente, tenderá a comportar-se de forma rebelde ou de tentar transgredir as normas do confinamento, seja “arrumando desculpas” ou “negociando”, seja simplesmente descumprindo; é a Fase da Revolta.

A partir do décimo dia de isolamento social, a pessoa começa a desenvolver sinais de estresse, tais como: irritabilidade sem um motivo aparente, dificuldade para adormecer e conflitos interpessoais que parecem surgir “do nada”, desencadeados por estímulos “bobos”. É o início da Fase da Depressão. Distúrbios de ansiedade, de humor (principalmente depressão), paranoia ou comportamentos agressivos generalizados, ainda que mínimos, – que poderão ocorrer voltados tanto a terceiros como à própria pessoa – são  comuns nas situações de isolamento social. Além disso, nos casos mais graves, pode ocorrer a perda da identidade, a hipersensibilidade sensorial – em particular a auditiva – , a presença do negativismo, dos pensamentos mórbidos e o aparecimento de ideias suicidas (cf. REITER et al., 2020).

São comuns as queixas de “aumento da fadiga após o esforço mental, geralmente associada a alguma diminuição no desempenho ocupacional ou na eficiência do enfrentamento nas tarefas diárias. A fadiga mental é tipicamente descrita como uma intrusão desagradável de associações ou lembranças perturbadoras, dificuldade de concentração e pensamento geralmente ineficiente” (cf. CID-10).

Para não desenvolvermos essa síndrome, a principal “dica” é prestarmos atenção no significado que estamos atribuindo à situação de isolamento. Se significarmos de forma negativa – tal como se fosse um castigo ou uma punição –,  isso poderá ativar nossa memória inconsciente de traumas vividos e não elaborados para fazer com que nos revoltemos e nos entristeçamos de alguma forma. Essa tristeza pode ser sentida como foi descrito acima ou no corpo, através de sensação de fraqueza e exaustão física após um esforço mínimo, acompanhados por uma sensação de dores musculares e incapacidade de relaxar. Nos dois tipos, é comum uma variedade de outras sensações físicas desagradáveis, como tonturas e dores de cabeça.

Mas, se enxergarmos nessa situação obrigatória uma oportunidade ímpar de fazer uma revisão dos nossos valores internos e / ou de rever nossas crenças – como se estivéssemos num retiro espiritual – ou ainda de ocupar o tempo disponível de forma produtiva  - estudando, por exemplo – ou criativa – desenvolvendo habilidades pouco ou nada desenvolvidas, tais como aprender a cozinhar, por exemplo – criaremos para nós mesmos a chance de aproveitar o isolamento como um trampolim para dar um salto nas nossas vidas. Isso costuma motivar as pessoas.

Ressignificar é a regra de ouro e devemos manter sempre presente na nossa consciência o fato inconteste de que uma quarentena não é o cumprimento de uma pena severa; não é uma prisão, muito menos perpétua, mesmo que estejamos internados numa UTI. Na COVID-19, por mais longo que tenha de ser o isolamento social, ele será invariavelmente temporário.

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[*] Segundo o dicionário Aurélio, “confinar” tanto pode significar “encerrar”, “enclausurar” “circunscrever” como pode dar a noção “ser ou estar próximo”, “avizinhar”. 

[**] Isso que ocorreu com 20 % dos pacientes em psicoterapia depois de confirmado o primeiro caso em São Paulo, Brasil.

Keywords: COVID-19; Pandemia; Síndrome; Isolamento Social; Confinamento

Autores:
Marcos Rodrigues Maximino
- Psicólogo Clínico - CRP 06/34559
Especialista em Medicina Comportamental - UNIFESP
Diretor-presidente da Clínica Conceito-ação
Caio Vinicius Infante de Melo - Psicólogo Clinico - UNIFESP - CRP 06/ 129237
Pós-graduando do Instituto de Psiquiatria do Hosp. das Clínicas da FMUSP.

Nossos agradecimentos: ao Prof. José Luiz Fiorin e a Nilse Rodrigues Maximino pelas valiosas sugestões.

Obras citadas::
GOVERNO DO ESTADO DE S. PAULO. (2020). Decreto 64.879 de 20/03/2020. Diário Oficial do Estado de São Paulo volume 130 nº 56.
MEDINA, S. G.; BARRETO, R.A. & MARANHÃO, I. (2019). Confinamento em Offshore. Horizonte de La Ciencia, 6(11), p. 113-121.
REITER, K.; VENTURA, J.; LOVELL, D.; AUGUSTINE, D.; BARRAGAN, M.; BLAIR, T.; CHESNUT, K.; DASHTGARD, P.; GONZALEZ, G.; PIFER, N.; STRONG, J. (2020). Psychological Distress in Solitary Confinement. American Journal P. Human, 110(1), pp. S56-S63.
SANTOS, I. C.; VERCILLO, L.A.; MOURA, J. F. P.; GUIMARÃES, T. C. F.; SILVA, R. C. (2014). A Atuação do Enfermeiro Frente ao Cliente Apresentando Síndrome de Confinamento em uma Unidade de Terapia Intensiva. Ciência Atual - Faculdades São José, 4(2), p. 02-18.
SHANEFELT, T.; RIPP, J. & TROCKEL, M. (2020). Understanding and Addressing Sources of Anxiety Among Health Care Professionals During the COVID-19 Pandemic. JAMA, pp. 1-9.
WHO - World Health Organization. (2006). CID-10 - Classificação Internacional de Doenças - 10ª Edição.
WILSER-SMITH, A. & FREEDMAN, D. O. (2020). Isolation, quarantine, social distancing and community containment: pivotal role for old-style public health measures in the novel coronavirus (2019-nCoV). Journal of Travel Medicine, 27(2), pp. 1-4.

Para referir: MAXIMINO, MR & MELO, CVI. A Síndrome do Isolamento Social. disponível em www.marcosmaximino.psc.br/marcosmaximino_covid-3 acesso em dd/mm/aaaa.

Publicado em : 10 /04/2020; atualizado em: 15/04/2020.

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