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A RELAÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA EM TEMPO

DE CORONAVÍRUS:

uma reflexão em prol de mudanças.

 


 

Paula de Camargo Penteado
26/04/2020


preciso redefinir as nossas relações. Está cansado de ouvir e ler sobre isso? Melhor mudar de texto, pois vou falar exatamente disso. Se você, por um lado, é educador e também não aguenta mais falar sobre o assunto, talvez seja melhor aproveitar para repensar a profissão. Dito isso, começo a externar um diálogo interno que travei e tive o prazer de compartilhar com um pequeno grupo de colegas.

Nós somos seres construídos pela socialização e se furtar de debater a importância e os impactos desse isolamento para os indivíduos e para a sociedade em geral é se furtar dos deveres de educadores. Não tiro esses deveres de nenhuma cartilha, mas do conhecimento acumulado a respeito da prática educativa e dos saberes necessários a ela. Bebo, especialmente, em Paulo Freire, célebre educador brasileiro tão atacado pela direita odiosa a tudo e a todos, principalmente ao conhecimento e à curiosidade. Quem teme a curiosidade, teme a construção do conhecimento, pois a primeira é força motriz da segunda.

Esse texto foi escrito a partir de reflexões e inquietações internas que vieram à tona com a pandemia que vivemos atualmente. Tomo, portanto, alguns cuidados para que as emoções não se sobreponham ao conteúdo, mas deixo claro que reconheço que todo o processo de reflexão (principalmente quando envolve educação) está repleto de concepções políticas e permeado de emoções. Peço desculpas, portanto, se no decorrer do texto você achar que ele assumiu um tom demasiado emocional.

Vamos à questão central: o isolamento social coloca em xeque todas as formas de relações como conhecemos. As redes sociais deixam de ser um mecanismo de defesa para quem queria passar mais desapercebido e de vitrine para quem gostava de ser notado e passa a ser, de fato, uma rede de apoio e discussão. Esse processo, é claro, não aconteceu de um dia para o outro, ele vem acontecendo pelo menos desde 2013, quando as Revoluções Árabes comprovaram outras utilidades para as conexões via internet. Todavia, parece que com a impossibilidade de nos reunirmos de outra forma, em 2020 as redes sociais tomam outra proporção.

Se há uma mudança nas relações pessoais, também vemos essas mudanças nas relações profissionais e nas que estão em um limbo entre essas duas. Destaco a relação família-escola nesse limbo, uma vez que sou daquelas que se recusa a categorizar como estritamente profissional uma relação repleta de particularidades, sentimentos e, claro, compromissos. Há tempos a relação família-escola é permeada de cobranças: de um lado, a família deseja ver “resultados” e de outro, a escola solicita que a família “resolva” questões de disciplina dos alunos.

Muito se teoriza a respeito da necessidade de estabelecer parceria, que é preciso ouvir o outro e ter empatia, porém, na prática, sabemos que as cobranças são predominantes. Pais que cobram professores para que o filho ande, fale, leia, escreva tão bem quanto o colega e professores que cobram que pais disciplinem filhos que não se comportam como eles esperam. Esquecem-se, ambos os lados, do sujeito mais importante da educação: a criança, o educando.

Isolados em casa, professores se deparam com a tarefa de “preparar atividades” para que os pais “apliquem” com os filhos. Esquecem-se, novamente, que a criança é sujeito – e vive intensamente o mesmo que vivemos nós. Esquecem-se, também, que as famílias que recebem as propostas vivem o mesmo que nós: estão com medo, ansiosas e incertas do futuro. A empatia, portanto, da qual tanto falam diversos documentos oficiais e teóricos importantes, é deixada cada vez mais de lado.

As relações que precisam se firmar entre escola e família são de fato relações de parceria: precisamos oferecer o ombro amigo, trocar experiências e dividir anseios. Precisamos mostrar que estamos disponíveis, com saúde e saudade. Ou continuaremos a dizer que é mais importante terminar o conteúdo do livro didático ou dar conta do planejamento do que cuidar das pessoas ao nosso redor? Se essa pandemia não fizer com que cada um de nós reflita o lugar que a escola ocupa na nossa sociedade, nada mais fará. E não haverá discussão sobre “escola do século XIX, professor do século XX e alunos do século XXI” que resolva uma questão estrutural.

É isso que as cobranças entre escola e família se tornaram: estruturais – e a possibilidade de conseguir mudanças profundas em nossa sociedade é agora. Isso porque desaceleramos. Não por vontade própria, é verdade, mas por obrigação. A questão é que o freio foi brusco – e freadas bruscas machucam. Se acostumar com uma nova estrutura de tempo é também lidar com pensamentos que vêm e vão.

É preciso aprender a lidar com essa nova noção de tempo para aprender a viver em um mundo que não nos acelera, ao contrário, nos pede calma. Só assim é possível entender as demandas que estão surgindo. E elas não são por atividades, mas por humanidade."

 

 


Paula Camargo Penteado é Pedagoga, especialista em Educação Infantil e coordenadora pedagógica de um CEI conveniado com a prefeitura de São Paulo

 

Publicado em 26/04/2020 Atualizado em 26/04/2020

 

Para referir: PENTEADO, PC. A RELAÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA EM TEMPO DE CORONAVÍRUS: uma reflexão em prol de mudanças. Disponível em http://www.marcosmaximino.psc.br/mural_covid19_escola-familia. Acesso em ___/___/___.

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