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uando paro para pensar em tudo que está acontecendo conosco, com toda essa situação, me questiono se todos e tudo sempre foram assim ou se é a crise que estamos vivendo que nos leva a inúmeras reflexões que antes não fazíamos.
Aconteceu mais ou menos assim:
Quando a Pandemia COVID-19 começou, percebi que fazia parte do chamado “grupo de risco” por ser hipertensa. Além disso, notei que havia alguém também pertencente ao grupo de risco que dependia de mim: minha mãe, com 62 anos de idade, também é hipertensa e, além disso, é diabética, tem apenas 40% dos pulmões funcionando, havia sofrido dois Acidentes Vasculares Cerebrais ... para não falar da cardiopatia!
No primeiro momento só pensei em protegê-la: apesar de eu mesma também correr risco, minha a prioridade era ela e, além disso, pensava “ – Como lidar com uma situação tão inédita, desconhecida de todos?”.
Constatada minha ignorância, tentei manter o autocontrole pois, pelo menos isso estava sob meu controle num cenário de algo que nos aparecia totalmente descontrolado: todos estávamos diante de informações tão contraditórias como ambíguas e cheias de idas e vindas, tanto por parte das autoridades de Saúde no mundo todo, como por parte dos governantes dos países inicialmente afetados e também dos governantes locais.
Noto que, se não tivesse assumido para mim mesma essa responsabilidade naquele começo, agora não estaria pensando o que ora escrevo, isto é, que tudo isso que estamos passando nesta pandemia é parte de um processo e, portanto, será uma questão de tempo para que acabe.
Momentos de crises nos colocam em cheque sobre “o que somos”, “o que queremos”, “como estamos” e assim por diante; são inúmeros os questionamentos que nos fazemos para tentarmos entender o que está acontecendo, como podemos lidar da melhor forma possível com esta situação que é inédita e, passado o susto inical, sabermos como aproveitá-la para que venha a ser útil em toda a nossa vida.
E era isso que estava acontecendo comigo: de imediato foi essa a sensação que tive, a de total insegurança e do medo do desconhecido, o medo do novo; aquela velha história: “quem mexeu no meu queijo?”.
O novo, o desconhecido, tudo isso nos assusta, mais ainda numa situação como esta, que envolve a possibilidade real de morrer, a incerteza do que pode ou não acontecer comigo ou com meu selelhante; o medo que nos causa não saber oque - de fato - vai acontecer.
O sentimento de morrer surgiu a partir de, um “não sei o que está me esperando”, junto com um “ninguém sabe com o que estamos lidando”.
Mas é justamente nesse momento que entra o sentimento de autoproteção que instintivamente surge diante do medo da morte. E dessa mistura de sentimentos opostos surge nossa consciência que, fazendo uso de um repertório de conhecimentos que nem nós mesmos sabíamos ter, ela surge sob a forma de uma pergunta fundamental, pergunta esta que no meu caso abriu portas para várias saídas:
" - O que posso fazer para lidar com essa situação?
"; "- De verdade, o que posso fazer para evitar essa situação?"
Acredito que foi a partir daí que tudo começou a “entrar nos eixos”.
Isso costuma ocorrer quando nós procuramos em nós mesmos, a partir das nossas perguntas, os recursos e as maneiras para nossa autoproteção. E é nesse momento que começamos a buscar que conseguiremos ir obtendor acesso a inúmeras informações a respeito daquele “problema” que, até então, nos apavorava e, daí para frente, começaremos a criar possibilidades.
E foi exatamente isso que aconteceu comigo perante o corona vírus: busquei saber o máximo de informação possível: é claro aquele tipo de informação que estaria ao em meu alcance para tomar alguma atitude, para me prevenir, me resguardar, como proceder, pois proteger a mim significava também proteger os que estavam ao meu redor.
E acredito que foi exatamente nesse momento que tudo foi se acalmando dentro de mim e, por conseguinte, ao meu redor.
Embora fosse uma situação complicada, difícil, inserida em uma crise que é mundial, existem coisas que não dependem de uma ação só sua, mas de uma ação conjunta onde, tenhamos cada um fazendo a sua parte, idto é, encontrando e usando seus próprios repertórios, tendo a consciência de que, em fazendo para si e para os seus, também está fazendo para o grupo social de que faz parte; se não negarmos a existência da pandemia mas que encarremos que o vírus está ai, para descobrirmos que podemos lidar com ele sim!
Não faça de conta que ele não existe. Pergunte a si mesmo “ – Como podemos lidar com ele?”
Porque é isso que – queiramos ou não - teremos que fazer daqui em diante: lidar com ele. Pois o mundo não será o mesmo depois da pandemia.
Assim como lidamos com muitas outras situações em nossas vidas, situações que, no momento inicial nos apareceram assustadoras, ao longo do tempo, à medida que lidamos com elas, passaram a nos parecer como se fossem rotineiras. Ou nunca passamos por situações em que, no inicio, pensamos que seria impossível passarmos por elas?! Tenho certeza que você, assim como eu, já passou, já enfrentou e já venceu.
A pandemia Covid-19 nos leva a refletir sobre aquilo que nunca haviamos refletido; me leva a me perguntar “- Quem de fato sou?”; “ – Qual meu papel no mundo?” e ainda “ – Qual a importância das pessoas em minha vida?”.
Quando me deparei com o medo do desconhecido, como mencionei no inicio, automaticamente fiz o primeiro questionamento acima. Pensei comigo: tenho medo do desconhecido, de algo que nunca havia lidado antes, estou me colocando à prova e qual é a minha capacidade para lidar com isto?
Passei a me questionar e foi assim que ganhei a condição de começar a ressignificar tudo que estava a minha volta, através de informações corretas, realistas e pertinentes à situação; encontrando minha forma de lidar melhor com meus medos e também notei que, automaticamente, as pessoas à minha volta começavam a ser reavaliadas por mim mesma.
Ganhei a condição de enxergar quem eram, de fato, as pessoas com que me relacionava e, assim, ver além das aparências. E foi nesse momento que comecei a enxergar qual valor tinha para mim a pessoa “X” ou a pessoa “Y”.
Mas, daqui para frente, irei com calma: digo para mim mesma que não é por isso que vou sair por aí dando pontapé em meio mundo; penso que nunca devemos cobrar do outro o que nós queremos para nós mesmos e que cada um somente dá aquilo que tem.
(Sim, eu sei é uma frase de efeito até meio clichê, mas que fez muito sentido quando foi por mim ressignificada neste momento.)
Momentos de crise desestabilizam, desestruturam, desconstroem; isso não é ruim. Pelo contrário, pode ser mágico.
Poderá ser a oportunidade de uma autoanálise ou poderá custar muito sofrimento, mas isso dependerá da maneira como nós iremos organizar a tal crise dentro de nós mesmos.
Inevitavelmente, uma crise traz a possibilidade de nos tornarmos pessoas melhores para nós mesmos, para o outrem e, ainda que não nos apareça de imediato, para o mundo.
Como dito sabiamente por Auguste Comte:
“O processo é a lei da história da humanidade, e o homem está em constante processo de evolução.”
Estamos fazendo parte de um fato histórico da humanidade e poderemos aproveitar essa oportunidade para irmos além, para evoluirmos como pessoas.
Para fazermos conosco o que a pandemia COVID-19 está fazendo com o mundo todo queira ele ou não: criando uma oportunidade de reflexão, superação, de revisão, enfim.
Publicado em 25/04/2020 Atualizado em 25/04/2020
Obras citadas: DE LACERDA, GB. Augusto Comte e o "positivismo" redescobertos. disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782009000300021 acesso em 25/05/2020.
Para referir: MIGUEL, GS & MAXIMINO, MR. Perguntar para Poder. Reflexões Durante a Pandemia Covid-19. Disponível em http://www.marcosmaximino.psc.br/mural_covid19_reflexoes. Acesso em ___/___/___.
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